[Fanfic] Jogos
Jan. 6th, 2010 07:35 pm![[personal profile]](https://www.dreamwidth.org/img/silk/identity/user.png)
Título: Jogos
Advertencias/Rating: golpe militar, referências à tortura (off-screem, mas, sabe como é. Better safe than sorry).
Personaje/Parejas: Brasil/Chile (amizade, basicamente).
Sumário: É 1973, e Manuel está pensando em tudo, menos em futebol.
É 1973, e Manuel está pensando em tudo, menos em futebol.
Tudo, no sentido estrito e literal de tudo mesmo. Absolutamente. Ele está com uma dor de cabeça desgraçada, sente e ouve milhares de vozes e opiniões (e gritos, ele ouve gritos, também, e tiros e cortes e queimaduras, e acorda de vez em quando com o corpo doendo e as unhas sujas de sangue) e ele vai à Moscou, joga mal pra caramba e sua gente não pode assistir, e Ivan o olha com um sorriso que não é sorriso, e o jogo empata em zero a zero e ele não pensa em nada além de voltar pra casa.
Só que o jogo da volta vai ser no Estádio Nacional, e Manuel não sabe o que pensar disso, e Ivan não tem esse problema, ele sorri, os olhos apertados como dois arcos, e Manuel não quer falar com ele – também, ia dizer o quê?- e Ivan diz, em russo, mas Manuel entende:
-Não posso jogar no seu estádio, camarada. O gramado está sujo de sangue.
Manuel não responde.
E também não muda o jogo de lugar. A escolha não é sua, é em parte de seu chefe, em parte de Arthur, que está dirigindo a FIFA nesse momento, e Manuel apenas ouve, porque sua cabeça vai estourar de dor se ele tentar pensar qualquer coisa, vai arrebentar em mil estilhaços pelo chão, ele escuta, só, e concorda, e ignora Ivan e, como precisa jogar com alguém, ele convida Luciano.
Que vem, claro, com seu sorriso de quem sabe só um pouco mais do que está falando, o mesmo ar avoado de sempre, e examina, no mesmo olhar, o campo, a platéia (pouca gente, só, como se ninguém quisesse entrar aqui, pensa Manuel), e ele mesmo, e diz, alegremente:
-Certo, então. Eu nunca joguei num estádio mal-assombrado antes, mas pra tudo tem uma primeira vez.
É um tapa na cara, Manuel pensa, tão forte que ele prende a respiração, e alguma coisa naquela voz animada o faz querer vomitar, ou ir embora, fechar a casa e atear fogo em tudo.
Ele não faz nada disso. E também não diz nada. O jogo começa, e ele tem que ganhar, em tese, porque o circo está armado pra isso, pra uma vitória fácil, mas ele pensa em tudo, menos em futebol, e tudo acaba com uma vitória espetacular de Luciano – claro, ele pensa, claro, e não consegue nem se importar com isso. Não aqui, não enquanto ele ouve.
Ele entra no vestiário sentindo que vai enlouquecer se não sair, que vai começar a gritar, e as paredes parecem que estão se fechando como uma caverna, como um túmulo, e ele dá um murro na parede sem pensar no que está fazendo.
A dor na mão o desperta. Ele se deixa cair no banco, sem forças, e é assim que está quando Luciano, fiel ao seu costume de invadir vestiários alheios, entra como se a casa fosse sua.
-Não ligue muito pro que eu falo, diz ele – As coisas estão meio esquisitas, ultimamente.
-Se você diz, murmura Manuel. Sua mão está latejando. Luciano senta-se ao seu lado:
-Pois digo, e digo mais, depois de um tempo a gente começa a perceber quando tem mais alguma coisa acontecendo, sabe? Digo, no campo. Dá pra dizer quando não é só o jogo. Quer me explicar o que foi isso?
-Não, diz Manuel. E se Luciano insistir ele vai começar a xingar, e se isso acontecer ele não vai parar tão cedo. Continua curvado, olhando os ladrilhos no chão, sentindo, ouvindo vozes (choro e gritos e súplicas e gemidos e música e orações) e contempla suas mãos. Agora a articulação está inchando um pouco. Ele vê a própria pele morena, pequenos riscos azuis por baixo da epiderme, dedos finos e as unhas cortadas bem rentes porque ele ainda consegue ver sangue não importa o que faça.
-Acho que você não se importa, diz ele, devagar. A se julgar pela alegria, pelo menos, pela voz sempre animada, pelos olhos brilhantes. Mas faz sentido, não faz? Existe algo de fundamentalmente rebelde em Luciano, no cabelo desarrumado, na roupa amassada, na cor da pele que não se enquadra em nenhuma descrição oficial, algo que desafia regras, que resiste a qualquer organização. Algo que não se encaixa.
Ou não. No fundo, bem no fundo, Manuel sabe que está errado. Que Luciano só está aqui hoje porque sabe a importância de cumprir ordens. E que existe algo que ele não sabe nisso tudo, nessa pessoa morena e alegre que conversa tanto com Alfred, algo sinistro e escondido, algo que Manuel não quer ver ainda. Não agora. É bom pensar, por um segundo, que ainda existe algo vivo e livre nesse mundo, mesmo que seja tudo uma grande mentira.
Luciano abana a cabeça. Seu sorriso ganha um traço de gentileza, talvez um pouco de compaixão, e ele puxa suas mãos.
Manuel fica surpreso. Mas não reage, deixa que Luciano abra seus dedos, e Luciano aperta seu pulso, a base da mão. Dói um pouquinho, mas ele não se importa. Luciano esboça um sorriso, e diz:
-Se você exagerar nisso, vai acabar quebrando os dedos.
-Eu-
-Mas a parede é melhor do que a janela. Vai por mim. Se tiver que quebrar vidro, use um cabo de vassoura.
Manuel não sabe bem o que responder. Com Luciano, ele nunca sabe. E aquele gesto – ainda segurando suas mãos, massageando a palma devagar, entre os dedos, e alguma coisa dentro dele aperta, dói, quase, e enche seus olhos de água. Ouve um eco, muito distante, daquele mesmo movimento. Ele quase pergunta se Luciano aprendeu isso com Martin, porque ele lembra da sensação, a mão forte segurando a sua, mas sabe que nunca teria coragem de dizer isso alto, de modo que apenas baixa a cabeça e pisca com força, muito rápido, e morde a boca para não respirar mais alto, e nisso Luciano diz, baixinho:
-É claro que eu me importo. Mas o que eu posso fazer agora?
Manuel não responde.
Ele ainda ouve os ecos, os sons ressoando em cada parede. Mas as mãos de Luciano são muito quentes, muito reais, e ele acabou de perder um jogo importante, e sua dor de cabeça diminui - não chega a sumir, nem de longe, mas diminui um pouco.
~*~
AN:
Então. Mais info sobre esse jogo aqui, pra quem quiser os detalhes. E eu mudo o título assim que tiver uma idéia melhor, juro.
Advertencias/Rating: golpe militar, referências à tortura (off-screem, mas, sabe como é. Better safe than sorry).
Personaje/Parejas: Brasil/Chile (amizade, basicamente).
Sumário: É 1973, e Manuel está pensando em tudo, menos em futebol.
É 1973, e Manuel está pensando em tudo, menos em futebol.
Tudo, no sentido estrito e literal de tudo mesmo. Absolutamente. Ele está com uma dor de cabeça desgraçada, sente e ouve milhares de vozes e opiniões (e gritos, ele ouve gritos, também, e tiros e cortes e queimaduras, e acorda de vez em quando com o corpo doendo e as unhas sujas de sangue) e ele vai à Moscou, joga mal pra caramba e sua gente não pode assistir, e Ivan o olha com um sorriso que não é sorriso, e o jogo empata em zero a zero e ele não pensa em nada além de voltar pra casa.
Só que o jogo da volta vai ser no Estádio Nacional, e Manuel não sabe o que pensar disso, e Ivan não tem esse problema, ele sorri, os olhos apertados como dois arcos, e Manuel não quer falar com ele – também, ia dizer o quê?- e Ivan diz, em russo, mas Manuel entende:
-Não posso jogar no seu estádio, camarada. O gramado está sujo de sangue.
Manuel não responde.
E também não muda o jogo de lugar. A escolha não é sua, é em parte de seu chefe, em parte de Arthur, que está dirigindo a FIFA nesse momento, e Manuel apenas ouve, porque sua cabeça vai estourar de dor se ele tentar pensar qualquer coisa, vai arrebentar em mil estilhaços pelo chão, ele escuta, só, e concorda, e ignora Ivan e, como precisa jogar com alguém, ele convida Luciano.
Que vem, claro, com seu sorriso de quem sabe só um pouco mais do que está falando, o mesmo ar avoado de sempre, e examina, no mesmo olhar, o campo, a platéia (pouca gente, só, como se ninguém quisesse entrar aqui, pensa Manuel), e ele mesmo, e diz, alegremente:
-Certo, então. Eu nunca joguei num estádio mal-assombrado antes, mas pra tudo tem uma primeira vez.
É um tapa na cara, Manuel pensa, tão forte que ele prende a respiração, e alguma coisa naquela voz animada o faz querer vomitar, ou ir embora, fechar a casa e atear fogo em tudo.
Ele não faz nada disso. E também não diz nada. O jogo começa, e ele tem que ganhar, em tese, porque o circo está armado pra isso, pra uma vitória fácil, mas ele pensa em tudo, menos em futebol, e tudo acaba com uma vitória espetacular de Luciano – claro, ele pensa, claro, e não consegue nem se importar com isso. Não aqui, não enquanto ele ouve.
Ele entra no vestiário sentindo que vai enlouquecer se não sair, que vai começar a gritar, e as paredes parecem que estão se fechando como uma caverna, como um túmulo, e ele dá um murro na parede sem pensar no que está fazendo.
A dor na mão o desperta. Ele se deixa cair no banco, sem forças, e é assim que está quando Luciano, fiel ao seu costume de invadir vestiários alheios, entra como se a casa fosse sua.
-Não ligue muito pro que eu falo, diz ele – As coisas estão meio esquisitas, ultimamente.
-Se você diz, murmura Manuel. Sua mão está latejando. Luciano senta-se ao seu lado:
-Pois digo, e digo mais, depois de um tempo a gente começa a perceber quando tem mais alguma coisa acontecendo, sabe? Digo, no campo. Dá pra dizer quando não é só o jogo. Quer me explicar o que foi isso?
-Não, diz Manuel. E se Luciano insistir ele vai começar a xingar, e se isso acontecer ele não vai parar tão cedo. Continua curvado, olhando os ladrilhos no chão, sentindo, ouvindo vozes (choro e gritos e súplicas e gemidos e música e orações) e contempla suas mãos. Agora a articulação está inchando um pouco. Ele vê a própria pele morena, pequenos riscos azuis por baixo da epiderme, dedos finos e as unhas cortadas bem rentes porque ele ainda consegue ver sangue não importa o que faça.
-Acho que você não se importa, diz ele, devagar. A se julgar pela alegria, pelo menos, pela voz sempre animada, pelos olhos brilhantes. Mas faz sentido, não faz? Existe algo de fundamentalmente rebelde em Luciano, no cabelo desarrumado, na roupa amassada, na cor da pele que não se enquadra em nenhuma descrição oficial, algo que desafia regras, que resiste a qualquer organização. Algo que não se encaixa.
Ou não. No fundo, bem no fundo, Manuel sabe que está errado. Que Luciano só está aqui hoje porque sabe a importância de cumprir ordens. E que existe algo que ele não sabe nisso tudo, nessa pessoa morena e alegre que conversa tanto com Alfred, algo sinistro e escondido, algo que Manuel não quer ver ainda. Não agora. É bom pensar, por um segundo, que ainda existe algo vivo e livre nesse mundo, mesmo que seja tudo uma grande mentira.
Luciano abana a cabeça. Seu sorriso ganha um traço de gentileza, talvez um pouco de compaixão, e ele puxa suas mãos.
Manuel fica surpreso. Mas não reage, deixa que Luciano abra seus dedos, e Luciano aperta seu pulso, a base da mão. Dói um pouquinho, mas ele não se importa. Luciano esboça um sorriso, e diz:
-Se você exagerar nisso, vai acabar quebrando os dedos.
-Eu-
-Mas a parede é melhor do que a janela. Vai por mim. Se tiver que quebrar vidro, use um cabo de vassoura.
Manuel não sabe bem o que responder. Com Luciano, ele nunca sabe. E aquele gesto – ainda segurando suas mãos, massageando a palma devagar, entre os dedos, e alguma coisa dentro dele aperta, dói, quase, e enche seus olhos de água. Ouve um eco, muito distante, daquele mesmo movimento. Ele quase pergunta se Luciano aprendeu isso com Martin, porque ele lembra da sensação, a mão forte segurando a sua, mas sabe que nunca teria coragem de dizer isso alto, de modo que apenas baixa a cabeça e pisca com força, muito rápido, e morde a boca para não respirar mais alto, e nisso Luciano diz, baixinho:
-É claro que eu me importo. Mas o que eu posso fazer agora?
Manuel não responde.
Ele ainda ouve os ecos, os sons ressoando em cada parede. Mas as mãos de Luciano são muito quentes, muito reais, e ele acabou de perder um jogo importante, e sua dor de cabeça diminui - não chega a sumir, nem de longe, mas diminui um pouco.
AN:
Então. Mais info sobre esse jogo aqui, pra quem quiser os detalhes. E eu mudo o título assim que tiver uma idéia melhor, juro.